Abri os olhos e imediatamente os fechei. Que luz era aquela? De manhã o
sol nunca batia na janela de maneira a que atingisse os meus olhos.
Virei-me de lado, contra a luz e abri um olho, encarando o relógio por
vários segundos até perceber as horas que marcava.
Oh merda! O
meu corpo foi atingido por sei-lá-o-quê do outro mundo e num segundo eu
estava a correr pela porta do quarto fora. Quem é que me mandou dormir
meia-hora antes de ir buscar Caroline?!
Corri para a porta da
rua e só parei quando reparei que estava de boxers. Oh, óptimo. Sem
dúvida que não chegaria à escola assim. A vizinha cuidaria de mim mal eu
saísse da porta, levando a minha não-tão pureza para os infernos.
Insultei de todos os nomes que sabia a velha por não ter nada mais que
insultar, enquanto me virava e corria de volta ao meu quarto. Foi quando
ouvi a porta abrir. Rapidamente girei sobre os pés e vi o que eu
chamaria de retrato feliz.
O meu “pai” a entrar ao lado de Caroline, que estava a rir.
- Urso! – Ela gritou e correu para mim, saltando num abraçado apertado ao meu pescoço.
Eu abracei-a, sem tirar os olhos do senhor que acabara de entrar.
- Porque foi buscá-la? – Perguntei grosso.
-
Porque eu quis. E, pelos vistos acertei, se não o fizesse ela ainda
estaria lá. – Ele pousou as chaves e deu dois exactos passos na minha
direcção. – Estás a tornar-te irresponsável agora, Tyler? – Perguntou em
tom irónico.
Caroline beijou o meu rosto e foi assim que ela me impediu de partir a cara do senhor. Eu decidi ignorar e olhei o meu anjo.
- A escola correu bem, anjo? Desculpa não ter ido buscar-te, acabei por adormecer. – Perguntei olhando-a só a ela.
-
Sim, correu. Hoje eu escrevi um texto e li para todos. A professora
disse que fui a melhor! – Ela sorriu, fazendo com que eu sorrisse ainda
mais.
- A sério, anjo? Hum, queres ler para mim? Antes de fazeres os trabalhos de casa?
- Sim!
- Então vamos lá…
Virei costas ainda com ela no colo, eu ia ignorar mesmo aquele senhor que não tirava os olhos de mim.
- Além de irresponsável, estás a tornar-te ignorante? Sou teu pai, Tyler. Responde-me. – Perguntou em tom “severo”.
O problema é que esse tom não me atingia. Eu virei-me para ele e sorri, irónico. Olhei Caroline e beijei a sua testa.
- Vai preparar o texto para me ler, anjo. Eu já vou. – Sorri-lhe.
Ela olhou-me, sabendo o que ia acontecer. Eu coloquei-a no chão e ela
foi para o quarto. Olhei o homem perante mim e aproximei-me dele, sem
tirar os olhos dos seus.
- Sabe, Charlie… Eu realmente prefiro
ser irresponsável e ignorante por um dia, enquanto o senhor tem sido
isso por toda a sua vida. – Respirei fundo. – E outra coisa, um pai não
vai buscar a sua filha quando e porque quer. Um pai vai buscar a sua
filha por precisar vê-la, por precisar saber que ela está bem.
Especialmente depois de tudo o que aconteceu. Agora Charlie, -
Aproximei-me mais dele. – Não se identifique como meu pai em voz alta
novamente, por favor. Isso envergonha-me, enoja-me e é totalmente
desfavorável a seu respeito. Caroline é pequena e não precisa entender
que de pai, o senhor não tem nada… Passe bem.
Virei costas e fui
para o quarto de Caroline, sem ver a reacção dele. Não estava realmente
interessado nisso. Entrei em seu quarto e fui até ela, que estava
sentada no chão, entretida com os cadernos.
- Então… preparaste a voz para ler para mim? Eu vou avaliar. – Fiz a minha melhor cara de professor sério.
- Tyler… - Ela olhou-me e eu soube que não era do texto que ia falar. – O que falaste com o pai?
Às vezes eu odiava o facto de ela ser tão inteligente e de compreender
tão bem o que acontecia à volta dela. Eu sentei-me atrás dela, abraçando
o seu corpo pequeno.
- Nada de importante, anjo. – Sorri.
- Eu sei que vocês os dois…
- Schh. – Eu não a deixei continuar. – Esquece isso. Lê a tua obra-prima aqui para o urso. Eu estou curioso…
Ela sorriu e beijou-me na testa, num gesto protector. Como se soubesse
que eu não estava bem. Pegou no caderno e eu olhei-a atento. Ela era
linda. E minha. Eu dava a minha vida pela felicidade dela. Isso era a
única certeza da minha vida.
***
Fechei a porta da rua
com mais força do que o necessário. O sangue fervia dentro de mim.
Charles decidiu ignorar-me e dar a atenção a Caroline durante o jantar.
Podiam parecer ciúmes. Mas não eram. A verdade é que Charles estava a
tentar conquistar a filha, a jogar. Para tirá-la de mim. Eu via o olhar
desafiador que ele me lançava sempre que ela gargalhava por alguma coisa
que ele falava.
Eu tinha medo de perdê-la. Tinha pânico da ideia de não a ter comigo. Era… doloroso imaginar.
Olhei o céu e lá estava a lua, as estrelas. Suspirei e continuei a
andar. Sorri ao lembrar a maneira como Caroline me abraçou e disse que
me amava minutos atrás. Não podia querer ouvir nada melhor que isso.
Andei um pouco e parei a olhar desinteressado para um poster na parede.
Uma peça no teatro. Coisa sem graça. Bufei e continuei a andar, até
esbarrar contra… um armário? Olhei para cima e vi um homem um pouco
grande demais.
- À procura dos óculos? – Ele perguntou.
- Não.
- Quer entrar? – Virou-se para mim.
Só então olhei para cima e vi que aquilo era… um bar? Uma boate? Fitei o
“armário”. Entrava? O que eu tinha a perder? Estava de facto a precisar
de uma bebida.
- Quero.
Ele apenas deu um passo para o
lado e eu entrei. Entrada livre, hum. Passei por outra porta e oh….
Interessante. Uma boate. Olhei as mulheres em cima dos balcões,
praticamente nuas, a dançar de maneira provocante, criando um ambiente
sexual, duas delas a fazer pole dance e todas rodeadas por homens
sedentos, nojentos e raivosos, provavelmente com Sida, a querer
tocar-lhes, enquanto batiam umazinha. Deveras interessante.
Eu
devia olhar o banco onde me ia sentar, a verdade é que corria o risco de
ficar colado à cadeira por causa de uma substância branca, dado o sítio
onde estava.
Suspirei e fui para uma mesa um pouco afastado
daquilo tudo. Não estava ali para arranjar uma mulher. Era tudo o que eu
não queria. Uma mulher! Mulheres serviam para me irritar. E aquelas… na
verdade, eu sentia por elas. Aquela vida não é fácil, tirando aquelas
que gostam e que o fazem por amor ao trabalho, o que me parece… nojento.
Tinha prometido a mim mesmo, há algum tempo, não me envolver com
nenhuma mulher. Só ia trazer problemas e dores de cabeça. Porque eu
nunca conseguiria ter um relacionamento normal. Preferia ficar quieto,
sozinho e sem mais esse problema na minha vida.
Eu gostava de
sexo. Muito. Mas eu conseguia aliviar-me, sozinho. Não chegaria ao
extremo de pagar para ter uma hora com alguém que não conhecia. Isso
era… repugnante, a meu ver.
Bufei e olhei o bar atrás de mim, eu tinha que ir pedir? Isso era algo que sempre me irritava.
Voltei-me para a frente e imediatamente os meus olhos ficaram cravados
no corpo à minha frente. A altura do meu olhar estava nos seios e eu
forcei-me a olhar para cima. Ok, eu disse que não queria, não que não
gostava de apreciar.
Quando finalmente a olhei não conheci o seu
rosto das outras que estavam a dançar. Ela era… linda. Muito, muito
linda. As luzes da boate faziam com que os seus olhos claros brilhassem
de uma maneira… diferente. Ela estava a deslumbrar-me. Era isso que elas
sempre faziam?
Então ela sorriu e eu vi-me… literalmente… hipnotizado. Tive a certeza que se fosse um velho porco ela já estava adquirida.
- Ei, boy. – Ela falou e eu sabia que a voz que ecoava sexo era típica para subornar os homens, tal como o olhar que gritava “come-me”.
- Olá… – Falei e sorri.
-
Em que… posso ajudar-te? – Ela aproximou-se de mim, de modo a que os
seus joelhos tocassem os meus. Eu olhava para cima, para os seus olhos.
- Eu… quero um uísque.
Ela gargalhou e abaixou-se, ficando à altura da minha cabeça.
- Nós somos especializadas em outras coisas, bad boy.
– Levou o seu dedo para o meu maxilar, percorrendo a sua linha. – Eu,
por exemplo, posso dar-te o uísque de uma forma… muito interessante. –
Oh… a voz dela…
Quem eu era mesmo?
- Obrigado pela oferta… - Ri, insultando-me a mim mesmo pela minha estupidez. – Qual é o teu nome mesmo?
- Mallory. – Ela sorriu, baixando o dedo para o meu peito.
- Certo, então… Mallory. Eu quero o uísque num copo com 3 pedras de gelo. Por favor. – Engoli seco mal acabei de falar.
Eu sabia que aquela era a única forma de resistir ao que ela estava a tentar fazer. Eu não queria, mesmo.
Mallory aproximou-se de mim e eu vi-me indefeso e parado. O quê, agora eu era um adolescente com medo de ser violado?
- Acho mais saboroso fazer-te lamber o uísque… que estará espalhado por todo o meu corpo deitado numa cama… a ferver por ti. – Ela sussurrou no meu ouvido.
Onde estava o diabo? Eu tinha a certeza que morrera e que ela era um anjo negro, preparado para fazer-me perder a razão.
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